Ciência
Florence Le Cam fala das semelhanças e diferenças entre Brasil e Bélgica no
protagonismo das jornalistas
Júlia Lopes e Júlia Giusti
A pesquisadora e professora da Université Libre de Bruxelles, Florence Le Cam, foi a palestrante da abertura do 21o Encontro da SBPJor. A professora tem uma longa história com o congresso e esteve presente quando a SBPJor completou dez anos. Falando em português, Le Cam abordou em sua palestra o tema: “O futuro do jornalismo e o protagonismo das mulheres jornalistas” e foi muito aplaudida.
Le Cam diz que as tecnologias fizeram o
jornalismo ser muito parecido em todos os países.
Foto: Júlia Lopes
Olhando para a década passada, o que permanece e o que se modifica na pesquisa em jornalismo?
Florence Le Cam: O que permanece são as questões sobre a identidade profissional, sobre o trabalho do jornalismo, sobre as práticas. O que mudou são as questões sobre inovações. Falamos menos agora de inovações, mas falamos muito da desinformação, da objetividade, de problemas como a verdade, como a realidade. Falamos muito mais de gênero também, muito mais de violência. E para mim isso está ligado ao contexto político, social, econômico que mudou muito. Podemos falar das inovações, mas o mais importante para mim é o contexto político das ideologias, da polarização do espaço público.
A internacionalização da pesquisa em jornalismo, a exemplo da parceria aqui da Faculdade de Comunicação com a Universidade Livre de Bruxelas, nos proporciona um importante panorama comparativo sobre as diferentes realidades e experiências de ser jornalista e de fazer jornalismo em diferentes países. Como a senhora observa a diferença entre Brasil e Bélgica?
FLC: No livro que escrevi com o professor Fábio Pereira (da FAC/UnB) sobre a internacionalização e transnacionalização do jornalismo on-line, o que vemos é que são países diferentes, com cultura, economia, história diferentes. Ser jornalista em 2023 é muito parecido por causa das ferramentas que usamos. Os telefones ou as práticas como fact checking e as rotinas jornalísticas são muito parecidas. E a maneira de ser, de se sentir, de viver o jornalismo é muito parecida. Sentimos emoções, estamos nervosos ou felizes. Isso é uma forma de permanência não só histórica entre os países.
A luta pela obrigatoriedade do diploma de jornalismo no Brasil é uma agenda constante da SBPJor. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro definiu o fim da obrigatoriedade para o exercício da profissão e atualmente o assunto tem voltado à pauta com a mobilização no Congresso Nacional. Na Bélgica e em outros países da Europa, como são os parâmetros para o exercício profissional do jornalismo?
FLC: Desde 1830, está escrito na constituição a defesa da liberdade da empresa, mas também a liberdade de ser jornalista. Todo mundo pode ser jornalista, e ninguém deve ter um diploma ou ter uma coisa específica para ser jornalista. Então é uma profissão muito aberta, o espaço de trabalho é completamente aberto. Na Bélgica, você tem um cartão profissional, que mostra às instituições: ‘Eu sou jornalista’.
A SBPJor traz como tema neste ano o futuro do jornalismo e o protagonismo das mulheres. Episódios de assédio a jornalistas mulheres no Brasil são algo recorrente e também uma característica misógina das redações. Como esse panorama é observado na Bélgica?
FLC: É o mesmo: misoginia, sexismo. As mulheres jornalistas que são mais conhecidas, especialmente as que trabalham na televisão, são vítimas de assédio muito, muito forte, mas é um assédio contra a mulher jornalista, e também contra a mulher que se mostra.